Se você achou o título desse artigo chocante, imagine como se sente a mãe de uma criança com escoliose idiopática do adolescente, um desvio de coluna que atinge milhões de meninos e meninas no Brasil e no mundo, ao ouvir esta frase dita por um médico. Infelizmente, essa afirmação (tanto insensível quanto equivocada) ainda é dada por alguns profissionais a pais e crianças que sofrem com o problema, uma razão a mais para que o conhecimento correto seja amplamente espalhado neste mês de junho, quando se comemora em diversos países – e em Campinas – a Semana de Conscientização sobre a Escoliose, sempre na última semana do mês.
O desvio, que comumente faz com que a coluna da pessoa fique em forma de um “C”” ou um “S”, atinge em especial adolescentes do sexo feminino, e por não ter cura o tratamento tem de ser feito de forma eficaz para que, justamente, o problema não piore e leve à cirurgia e outras complicações. Ou seja, dizer para a pessoa ficar observando a curva entortar e depois operar é justamente o pior que pode se fazer.
A escoliose idiopática adolescente aparece por volta dos onze, doze anos, e na maioria das vezes passa despercebida pelos pais e pela criança. Um levantamento que fizemos pela Faculdade de Medicina da USP na região de Campinas de 2012 a 2015 (até onde se sabe é o único do Brasil) concluiu que a estimativa é que de 1,5% a 2% da população do estado tenham escoliose. Por esta estimativa, Campinas — com 1,2 milhão de habitantes — teria de 18 mil a 24 mil meninos e meninas com escoliose idiopática adolescente.
O tratamento da escoliose depende do ângulo das curvas, que continuarão crescendo se não forem tratadas. Quando estão em estágio inicial, só os exercícios específicos resolvem. Se já tiverem mais desenvolvidas, será necessário o uso de coletes por até 23 horas diárias aliado aos exercícios. E, em último caso, quando as curvas já estão desenvolvidas por demais e não há como fazer o tratamento mais conservador, aí sim a recomendação é cirúrgica.
Importante notar que os médicos no Brasil em geral recomendam o uso de coletes, mas muitos indicam modelos ultrapassados como o Milwaukee, meramente por desconhecerem a existência de coletes tridimensionais e que trabalham com biomecânica, bastante populares no Exterior, e que efetivamente não apenas contêm as curvas como, aliados aos exercícios específicos de fisioterapia, as reduzem.
Também são poucos os médicos em nosso país que conhecem estes exercícios específicos que, se feitos corretamente em conjunto com o uso do colete, são uma ferramenta eficaz para conter e reduzir as curvas. Com isso, há pacientes que acabam não fazendo exercícios cuja comprovação de efetividade para conter o desvio simplesmente inexiste, como Pilates ou RPG — que sem dúvida têm seus méritos, mas não para combater o desvio.
O recomendado é o Tratamento da Escoliose Baseado em Evidências, com exercícios específicos desenvolvidos pelo fisioterapeuta especializado, personalizados para as diferentes curvas dos diferentes pacientes. Os exercícios aumentam a eficácia para manter a coluna estável durante o uso do colete e após a remoção, também podendo evitar uma possível cirurgia de fusão da coluna, que em muitas vezes resulta em perda de movimentos.
Mas, se a escoliose passa despercebida, como efetivamente detectá-la? Muitas vezes basta um simples exame visual: com a criança ficando de pé (de sunga ou biquíni) e dobrando o corpo para frente como se fosse tocar os pés, verifique a coluna e veja se ela não se curva, veja também se as escápulas estão niveladas, se uma das “asinhas” notadamente não está maior do que a outra. Observe, também, se a criança tem os ombros nivelados.
Detectado o desvio neste exame visual, um instrumento simples chamado escoliômetro — disponível inclusive em aplicativos para celulares — pode dar uma ideia inicial da graduação do desvio e uma radiografia da coluna irá confirmar a anomalia, bem como identificar a localização e angulação da escoliose. Dependendo do número e angulação da(s) curva(s) é que será indicado o tipo de tratamento mais adequado.
Acima de tudo, os pais devem manter a calma e procurar médicos e fisioterapeutas especializados. Com a ajuda de bons profissionais e dos pais, e de disciplina para seguir o tratamento, a criança tem todas as condições de controlar o desvio e viver uma vida de grande qualidade, como fazem por exemplo o corredor Usain Bolt, a atriz Isabella Rosselini, o tenista James Blake, a nadadora medalhista de ouro em jogos olímpicos Janet Evans e faixa roxa de jiu jitsu Tati Uemura. Todos eles têm escoliose e vivem muito bem, obrigado.
Rodrigo Andrade é fisioterapeuta, fundador do Instituto Reab de Campinas e integrante do movimento Escoliose Brasil